Diogo Baptista

Entrevista a Diogo Baptista, R&D Engineer na Continental Tires, ex-aluno da licenciatura em Engenharia Automóvel da Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de Leiria.

  • Como foi o teu percurso até chegares à ESTG-Leiria?

A minha ligação ao mundo automóvel começou pelo karting. Aos 14 anos os meus pais compraram o meu primeiro kart e comecei a praticar a modalidade a nível amador. Foi aí que o meu gosto já existente pelos automóveis começou a ganhar força. Começou como hobby aos fins de semana no kartódromo da Lourinhã, seguido de algumas participações em troféus regionais, até que aos 16 anos fiz a minha primeira competição (nacional) como piloto federado, na categoria 125 Livre “shifter” (ICC). Durante todo o período do secundário continuei a competir e desde muito cedo soube que queria procurar qualquer coisa ligada ao ramo automóvel, de preferência à competição. O ensino secundário foi feito em Massamá, na Escola Secundária Stuart de Carvalhais, no agrupamento Científico-Natural.

  • Achas que a tua ligação ao karting influenciou a tua escolha de curso do ensino superior?

Sim, claro. Sempre tive curiosidade em mexer nas coisas e procurar perceber como funcionam, naquele caso particular (karting), procurar perceber como é que as afinações de motor e chassis me podiam ajudar a ser cada vez mais rápido. Mesmo sem perceber nada dos princípios que estavam por trás, ganhei a experiência de como tudo funciona na prática…não sabia era o porquê! Tinha o know how, não tinha o know why. E foi por isso que nunca tive dúvida de que queria estudar algo relacionado com isso.

  • Em que ano ingressaste e que opções ponderaste quando te candidataste ao ensino superior?

Eu ingressei no ensino superior em 2003. O meu caso é particular porque na altura a escolha pareceu-me óbvia e não ponderei alternativas. A minha mãe é engenheira formada no IST (Instituto Superior Técnico), eu sou da zona de Lisboa, toda a minha vida cresci a ouvir histórias do Técnico e naquela altura nem ponderei outra hipótese que não fosse estudar Engenharia Mecânica no IST. Como tinha uma média muito acima do requisito mínimo normal, candidatei-me a outras opções só por descargo de consciência, mas estava muito confiante que entraria na primeira escolha. Ao ponto de saber da existência do curso de Engenharia Automóvel em Leiria, porque tinha visto um panfleto algures, mas convenci-me de que seria um curso profissional e não me interessei.

  • Porque não ponderaste outras opções no ensino superior além do IST?

Porque achei que naquele curso, de Engenharia Mecânica, iria encontrar aquilo que eu estava à procura. Passados 3 semestres percebi que aquele curso, não só nunca me iria oferecer o tipo de conhecimentos que eu procurava como dificilmente me abriria as portas que eu pretendia a nível de carreira. Nessa altura comecei então a procurar outras opções. Como nenhum outro curso de Engª Mecânica em qualquer outro sítio seria solução, a minha mãe sugeriu que me informasse sobre o curso de Leiria que tínhamos visto no panfleto. Acabei por encontrar o site do curso de Engenharia Automóvel. Troquei uns e-mails com o então coordenador de curso (prof. Fonseca Pereira), que foi bastante prestável, desloquei-me a Leiria para me reunir com ele, esclarecer todas as minhas dúvidas e conhecer as instalações da ESTG, fiquei imediatamente convencido. Era um curso que ia de encontro às expectativas que eu tinha e senti que seria a escolha acertada para o que eu pretendia. Com o meu entusiasmo acabei por “vender” também o curso ao João Coelho, meu colega de secundário e que estava a estudar Engenharia Mecânica no ISEL, que também acabou por se candidatar.

  • Como foi então o teu percurso em Leiria?

Entrei em 2005 ainda em pré-Bolonha, tive muito poucas equivalências das cadeiras que trazia do IST, portanto foi praticamente começar tudo de novo. No final do 1º semestre tive oportunidade de fazer um estágio de um ano, juntamente com mais 3 colegas, na LPM Competição, uma equipa local de ralis que corria no Troféu Peugeot 206. Foi uma experiência muito valiosa pois eu tinha a prática do karting mas nunca tinha trabalhado com automóveis.

  • Como é que surgiu essa oportunidade de trabalhar na equipa da LPM?

O Núcleo (Núcleo de Engenharia Automóvel – NEAU) colocou um cartaz no seu placard a anunciar esta oportunidade e eu acabei por enviar o meu curriculum. Em Fevereiro recebi uma chamada do NEAU, a informar que o meu curriculum tinha sido selecionado e a convocar-me para uma entrevista com o chefe da equipa. No dia seguinte comecei a trabalhar. Trabalhávamos todos os dias úteis em horário pós-laboral, após terminar a actividade normal da oficina da LPM, e participámos em todos os ralis do calendário do nacional de 2006.

  • Voltando ao teu percurso em Leiria…

O final do estágio na LPM coincidiu também com o final do meu envolvimento ativo em competição nos karts como mecânico e de 2007 em diante dediquei-me inteiramente ao curso, tendo sido membro do NEAU por 3 anos. Como projeto de final de curso fiquei responsável, em conjunto com o João Coelho, pelo desenvolvimento dos sistemas de suspensão e direção do HyVED (híbrido projetado na ESTG) e a sua integração com os restantes sistemas e chassis.

Tentou-se inclusivamente criar um conceito inovador para a traseira, com a integração dos sistemas de propulsão elétrica, suspensão e travagem dentro da roda.

  • Quando terminaste o curso já tinhas alguma coisa em vista?

Sim, já sabia que mestrado queria tirar. E fui, em conjunto com outros colegas de Engenharia Automóvel, tirar o MSc em Motorsport Engineering na Oxford Brookes University.

  • Qual a tua opinião sobre o curso de Engenharia Automóvel?

A minha opinião sobre o curso em Leiria é muito boa, a formação que recebi foi de encontro às minhas expectativas. Procurei um mestrado fora porque eu queria especificamente aprender e trabalhar em competição. Acabei por escolher Oxford porque tinha boas referencias do Luís Pinto, (também ex-aluno de Engenharia Automóvel) que já lá estava, e me pareceu o mais interessante de todos os que procurei. Durante o mestrado tive oportunidade de trabalhar com colegas de vários pontos do mundo, com diversos backgrounds e aí realmente percebi que nós em Leiria temos uma formação com qualidade. Não estávamos aquém de ninguém, estávamos perfeitamente à vontade com os assuntos que se estavam ali a aprofundar, tínhamos boas noções de tudo e isso facilitou o processo de aprendizagem. Claro que existiam discrepâncias, colegas de Aeroespacial estavam mais à vontade com CFD, colegas de mecânica estavam mais à vontade com CAD e outros exemplos específicos podiam ser encontrados, mas a nossa força era ter uma noção geral de tudo, sendo que estávamos claramente mais à vontade que os restantes em todos os sistemas específicos do automóvel.

  • Quais foram as dificuldades que encontraste quando ingressaste no curso de Engenharia Automóvel?

Para mim as maiores dificuldades iniciais eram com a eletrónica, era uma coisa que me assustava de certa forma e que não gostava, demorei um pouco a “engrenar” nessas cadeiras. Mas depois acabei por ganhar gosto pelo assunto, ver a sua aplicação prática e hoje em dia é uma área que me interessa. Ao início essa foi a minha maior dificuldade e depois a minha maior surpresa, esta mudança de perspetiva de passar de não ter qualquer  tipo de interesse e não fazer grande esforço por aprofundar o meu conhecimento nessa área, e depois vir a perceber realmente o quão importante e interessante isso é num automóvel, tenho pena de não ter aprofundado mais.

Apesar de já ter levado para Leiria 2 anos de experiência universitária, continuei a sentir dificuldade em organizar o meu tempo e o meu estudo. Em Oxford houve muito mais ênfase na avaliação contínua,  somos obrigados a ir trabalhando ao longo do semestre e quando se chega ao exame final há mais facilidade em obter sucesso e ter boas notas,  os conceitos ficaram aprendidos e percebidos e ainda estão cá. Com o conceito menos virado para a avaliação contínua que vivenciei em Portugal, é necessário mais disciplina por parte do aluno para organizar o seu próprio tempo ao longo do semestre. Na minha opinião aprender a ter esta disciplina é essencial para se ter sucesso mais tarde no primeiro emprego e isto foi algo que demorei muito tempo a perceber e aprender.

  • O curso é bem dimensionado para o mercado português? Ou está sobre-dimensionado? Há quem justifique que se estão a formar engenheiros e não técnicos…

Eu não tenho experiência pessoal a trabalhar no mercado nacional, mas a ideia que eu tenho é que está adequado à procura que existe. Julgo que tem havido um esforço no sentido de se ir atualizando o curso com a introdução de novas tecnologias, e vejo também que cada vez há projetos mais interessantes e mais arrojados e cada vez mais interesse e vontade de arriscar. Penso que isso também vem do trabalho que o NEAU tem vindo a desenvolver nos últimos anos em conjunto com professores, a chatear-lhes o juízo, mas que tem dado os seus frutos. O feedback que também tenho de outros colegas é que as pessoas saem bem preparadas e os empregadores acabam por gostar daquilo que os alunos de EAU têm para oferecer, há vários exemplos de sucesso de alunos EAU dentro e fora de Portugal. Eu acho que o curso está bem dimensionado para aquilo que os empregadores procuram, o nosso mercado é que infelizmente não oferece tantas boas oportunidades como lá fora. Um engenheiro automóvel formado em Leiria tem potencial para fazer coisas muito interessantes em investigação e desenvolvimento e não só, mas infelizmente oportunidades destas não são fáceis de se encontrar no nosso país. Considero que uma pessoa formada em Engenharia Automóvel é um recurso valioso para qualquer empresa do ramo e acho, sinceramente, que muitos desses recursos não estão a ser devidamente aproveitados em Portugal. Se isso é dizer que está sobre-dimensionado, eu não concordo com isso. Eu acho é que tem de se procurar revolucionar e valorizar um pouco o mercado nacional e para isso é preciso pessoas com capacidade para o fazer.

  • A tendência para a Europa será a de apostar nas novas tecnologias e nas áreas de nicho onde é preciso formação…

Na minha opinião, nos dias que correm o nosso mercado não é o nacional. Nós estamos a estudar para a indústria automóvel e em Portugal a indústria automóvel é quase inexistente quando comparada com o espectro global. Portanto, o mercado de trabalho para alunos de Engenharia Automóvel não pode ser o mercado nacional, nem o curso deve ser só focado neste porque não é aí que estão as boas oportunidades. É na Alemanha, é em Inglaterra, é nos Estados Unidos, etc… E já que o nosso curso é quase único no nosso País, tem qualidade, e está provado que as pessoas que vão lá para fora fazem um bom trabalho, porque é que nos havemos de condicionar ao mercado nacional? O nosso curso tem qualidade suficiente para formar pessoas para trabalharem nas empresas grandes, nas centrais, como onde eu estou, ou noutras como a BMW, Volkswagen, a Ford (…) onde os grandes projetos de Engenharia acontecem. Dizer que o nosso mercado é o mercado nacional para mim é limitado. No mínimo é o mercado europeu, tem que se olhar para o que a Europa tem e para o que a Europa precisa. Para mim devia ser essa a direção, porque aí é que está o desenvolvimento, aí é que está o emprego e aí é que está a engenharia. Em Portugal também se fazem coisas interessantes mas na minha opinião já é pouco para o ainda assim pequeno número de alunos formados em Engenharia Automóvel. Considero que o curso deveria pensar mais global e menos local, principalmente na situação atual de Portugal em que a taxa de desemprego (no geral) é elevada e lá fora precisam de gente qualificada.

  • Depois de terminares a tua licenciatura em Engenharia Automóvel, foste para Inglaterra tirar o mestrado em Motorsport Engineering (Oxford Brookes University). Achaste que estavas melhor ou pior preparado com os restantes colegas que vêm de todo o mundo?

Tudo o que tivesse a ver com eletrónica automóvel, estávamos bastante à vontade. Tudo o que tivesse a ver com o automóvel em geral, com a parte prática, seja de motores, suspensões, dinâmica de veículos e conceitos relacionados estávamos também à vontade. No que respeita aos conceitos mais científicos considero que estávamos em patamares comparáveis a nível de matemáticas e físicas. Onde nos destacávamos era nos princípios de funcionamento, lógica dos sistemas, a interligação entre os vários sistemas e como se influenciam entre si. Não me senti inferiorizado em nenhum assunto em particular, mas se tivesse que nomear uma lacuna seria a utilização de ferramentas CAD, CFD, Elementos finitos, ferramentas matemáticas, etc, que outros colegas tinham claramente usado de forma bem mais exaustiva.

  • Onde estás atualmente, na Continental, que conhecimentos aprendidos aqui te estão a ser relevantes?

A primeira é claramente dinâmica de veículos, embora tenha aprofundado bastante mais em Oxford, as bases vêm de Leiria.

Resistência dos materiais, que eu subestimei muito enquanto estive em Leiria, não consegui perceber nas aulas e nos exercícios dos exames como é que aqueles conceitos se aplicavam na realidade. Hoje em dia, lido com isso todos os dias e tenho que ter os conceitos sempre em mente. Estando a trabalhar com metais e borracha preciso de ter a sensibilidade de perceber como a construção se comporta sob determinada solicitação e como é que se pode otimizar o produto por forma a ir de encontro às propriedades desejadas sem sobre-dimensionar. Os desafios do meu dia-a-dia passam sempre por tentar obter a melhor qualidade e performance com o menor investimento e para isso são necessários todos esses conceitos.

Saber que tipo de informação os resultados de uma simulação de elementos finitos me dão e a sua fiabilidade também é importante e é algo que veio de Leiria. Acima de tudo, ter capacidade e espírito crítico para ver para além dos números e validar os resultados.

  • Para finalizar: Tivemos um passarinho que nos contou que irás regressar à competição (federada). Queres falar sobre isso?

Sim, estou empenhado em voltar às corridas que são a minha grande paixão! Tenho como objetivo fazer a Taça de Portugal de Karting 2012 na categoria X30 shifter, 10 anos depois da minha primeira corrida como piloto federado. No fundo é o meu regresso às origens, surgiu esta oportunidade e estou determinado a agarrá-la! Ando já há uns meses a treinar, quer em pista quando venho a Portugal, mas também no ginásio e desportos outdoor no meu dia-a-dia na Alemanha para alcançar uma forma física que me permita ser competitivo naquela que é a festa do karting Português.

Mário Rodrigues | NEAU

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