Nuno Sousa

Entrevista a Nuno Sousa, Design & Project Engineer na Progressive Motorsport, ex-aluno da licenciatura em Engenharia Automóvel da Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de Leiria.

  • Como foi o teu percurso até chegares à ESTG-Leiria?

Foi um percurso normal, sem sobressaltos. Sendo de Leiria, sempre estudei na minha cidade natal. No ensino secundário optei pela área das ciências e tecnologias para obter o melhor background possível em matemática e física, disciplinas onde o aproveitamento foi sempre bom. Sem repetir nenhum ano, consegui ter no final uma média confortável que me permitia (teoricamente) entrada em qualquer curso da minha lista de interesses.

  • Em que ano ingressaste e que opções ponderaste quando te candidataste ao ensino superior? Sendo tu de Leiria, não sentias o desejo de ir estudar para outra cidade?

Ingressei no ensino superior no ano de 2007. Consegui colocação na minha primeira opção – Engenharia Automóvel na Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de Leiria. Lembro-me que como opções também coloquei Eng. Mecânica e Eng. Gestão Industrial, ambas no Instituto Superior Técnico (Lisboa). Curiosamente, também coloquei Eng. Agronómica para o Instituto Superior de Agronomia em Lisboa, pois a minha irmã é licenciada nesta área com especialidade em Enologia e essa é também uma área pela qual sempre nutri grande gosto. Não obstante, sempre tive muita certeza que conseguiria entrar na minha primeira opção.

O facto de estudar em Leiria foi uma decisão que mereceu muita ponderação. Na altura já conhecia algumas pessoas que, na área da Eng. Automóvel, estudavam tanto em Leiria como em Inglaterra. Procurei estar muito bem informado e conhecer ambas as realidades e após uma cuidada pesquisa sobre ambos as opções, em consenso familiar achámos que seria uma mais valia tirar o curso em Leiria e mais tarde, especializar-me fora do país. Essencialmente por este curso em Leiria ter uma forte componente prática e ser bem conceituado no mercado.

  • Tinhas alguma ligação familiar ao ramo automóvel que te influenciasse no teu gosto e escolha pelo curso? 

A minha família sempre teve uma ligação muito forte e direta com o desporto automóvel. Eu comecei a “ver” e fazer corridas ainda dentro da barriga da senhora minha mãe. Lá em casa toda gente sempre foi adepta e praticante do desporto automóvel. Menos os animais de estimação, esses só adeptos mesmo. O meu pai desde cedo começou a fazer corridas, especialmente rallys. Foi fundador do NDML (Núcleo de Desportos Motorizados de Leiria) tendo organizado eventos pioneiros em Portugal nas mais diversas disciplinas do desporto automóvel. Mais tarde ingressou na direção da FPAK (Federação Portuguesa de Automobilismo e Karting), fazendo também parte de Comissões da FIA (Federação Internacional do Automóvel) e CIK (Comissão Internacional de Karting). Desta forma, toda a minha educação ao longo da vida sempre foi muito “Motorsport”. Sem que alguma vez me tenha sentido pressionado pela família a optar pelo ramo que exerço de momento, sem dúvida alguma que foi esta educação que me fez nutrir desde muito cedo uma enorme e verdadeira paixão pelas corridas.

  • Chegaste a competir em karting, também sentiste que te influenciou?

Desde muito cedo que tinha bem definido na minha cabeça o que queria ser e que, um dia, queria ir estudar para Inglaterra e lá trabalhar no desporto automóvel, visto ser ali a “pátria” das corridas e das grandes equipas. Andava eu no 5º ano e lembro-me de ter conversas sobre isto com o meu pai. O facto de ter praticado desporto automóvel ao longo de vários anos, apenas me ajudou a ter uma visão mais clara e objetiva sobre a especificidade da indústria que envolvia o “mundo das corridas”.

Após ter terminado a minha caminhada pelo karting, ainda tentei transitar para o automobilismo. Mas foi então que se deu o “boom” da crise e começou a ser difícil arranjar apoios, especialmente para as categorias onde a necessidade de budget era substancialmente maior. Nunca me iludi em vir a ser um “Schumacher” e querer ser a todo o custo “piloto profissional”. Rapidamente tomei a decisão de, em vez de continuar a investir esforço e dinheiro nas corridas como piloto, iria envolver-me nelas mas numa outra vertente não menos importante, nos “bastidores” como Engenheiro. Desta forma poderia dar continuidade à minha ligação com o desporto, numa perspetiva até de longo prazo.

  • Como foi então o teu percurso na licenciatura em Engenharia Automóvel?

Pode-se dizer que fui um aluno aplicado, empenhado e responsável e o saldo final foi bastante positivo. Apesar de sempre residir em Leiria, só tive realmente noção da academia Leiriense após ter iniciado os meus estudos na ESTG. O espirito académico é fabuloso! Tanto na relação alunos-alunos como na de alunos-docentes. Onde senti mais dificuldades foi na área da eletrónica pois o meu background electro-técnico era quase inexistente. As cadeiras de eletrónica e materiais, foram o meu grande desafio ao longo do curso. Não obstante, sempre senti uma grande liberdade para aprender, onde tinha tudo ao meu dispor e só dependia de mim próprio, utilizar as ferramentas necessárias para dar resposta à minha própria curiosidade e necessidade de aprender e compreender. Os laboratórios estão muitíssimo bem equipados, e nunca senti nenhuma restrição em usá-los, dentro e fora do horário das aulas. O segundo ano foi, sem dúvida alguma, o mais trabalhoso e desafiante especialmente devido à sua grande componente prática.

  • Perto do final do curso ainda foste, com outros colegas, fazer Erasmus para a Bélgica. É uma experiência que recomendas? Que pontos destacas dessa experiência?

Claro que recomendo! E especialmente nos dias de hoje, diria que é fundamental, quase que “obrigatório”. O programa Erasmus é uma oportunidade incrível para o estudante alargar os seus horizontes e aprender (=crescer) bastante, quer a nível pessoal, quer a nível profissional. A nível pessoal porque de um dia para o outro nos encontramos num outro país com uma cultura diferente da nossa. Estamos sozinhos única e exclusivamente dependente das nossas valências socio-intelectuais. Somos obrigados a adaptarmo-nos a um ambiente diferente, comunicarmos e comportarmo-nos de maneira diferente a fim de nos integrarmos numa nova sociedade. Como humanos e cidadãos, aprendemos realmente bastante.

A nível académico e profissional, é uma oportunidade ótima de alargar a nossa network fazendo novos contactos. É a oportunidade de trabalharmos de muito perto com realidades e filosofias de trabalho completamente diferentes, com economias e industrias altamente dinâmicas e exigentes, onde as Universidades e as empresas andam de mãos dadas em estreita colaboração. Este tipo de colaboração começa timidamente a sentir-se em Portugal, mas ainda está longe de atingir os níveis já consolidados noutros países.

E quando todos estes ingredientes se reúnem na dosagem certa, o resultado é a eclosão de ótimas oportunidades de trabalho! Que afinal de contas é para isto que todos nós estudámos durante tantos e bons anos, certo? Ceeerto.

  • Quando terminaste o curso já tinhas alguma coisa em vista?

Quando fui de Erasmus, faltavam-me apenas 2 ou 3 cadeiras para terminar a licenciatura, as quais conclui no De Nayer Institute – Lessisus University na Bélgica, onde, simultaneamente, conclui o curso. Imediatamente na semana seguinte a ter terminado o curso, surgiu uma oportunidade de trabalho fantástica que me permitiu dar início à minha atividade profissional como engenheiro.

  • Após terminares a licenciatura trabalhaste numa grande e exclusiva coleção de automóveis. Como foi esta experiência? De que forma te eram úteis os teus conhecimentos de Engenheiro Automóvel? Geralmente é uma área menos ligada à engenharia…

Esta foi a fantástica oportunidade de trabalho que referi anteriormente, e que me fez permanecer por mais algum tempo na Bélgica.

Através de um amigo comum, fui apresentado a um tal senhor chamado Mr. D’Ieteren numa situação muito espontânea e casual (obrigado Erasmus!). Trocámos meia dúzia de palavras, tendo-me perguntado o que é que eu estava a fazer naquele país. Após lhe ter explicado a minha situação de recém-licenciado e falado nos meus objetivos futuros, prontamente se disponibilizou em ajudar-me.

Mr. D’Ieteren é descendente de uma família com 200 anos de ligação à Industria Automóvel, sendo atualmente dono do Grupo D’Ieteren (D’Ieteren Group). Esta família iniciou a sua atividade com a fabricação de rodas em madeira para charretes, evoluindo para o fabrico de charretes. Posteriormente iniciaram o desenvolvimento e fabrico de automóveis e a importação de automóveis para a Europa, e a construção em exclusividade de todas as carroçarias para a Bugatti. Atualmente são importadores e distribuidores exclusivos para a Bélgica de marcas do grupo VAG, Porsche, Audi, Bugatti, Rolls Royce entre outras áreas de negócio no âmbito do comércio de componentes e tecnologias automóvel.

Mr. D’Ieteren é ainda proprietário de uma das maiores coleções privadas de automóveis do mundo, contabilizando várias centenas de exemplares, alguns dos quais únicos no mundo e feitos por encomenda. No centro de Bruxelas tem o seu museu automóvel particular “D’Ieteren Gallery”, o qual, é apoiado tecnicamente por umas instalações oficinais, de acesso restrito, equipada com os mais elevados padrões de tecnologia, para que a equipa dos 15 técnicos que ali trabalham a tempo inteiro, possam restaurar e/ou reconstruir todos os automóveis até a um estado irrepreensível, seja a nível de mecânica geral, motores, elétrico, chapa, estofos e pintura. Foi exatamente nestas instalações que eu tive o grande privilégio de trabalhar, tendo tido contacto com verdadeiras peças de museu, alguns delas únicas do mundo, tendo aprendido e observado metodologias de trabalho absolutamente mágicas ao mais elevado standard, com técnicos provenientes de equipas do campeonato do mundo de GT’s e campeonato do mundo de rallys. Desde a antigos Formula 1’s, GT’s, carros “normais” das mais diversas eras, culminando com super-carros modernos como o Bugatty Veyron. Tendo feito de tudo um pouco, o meu principal projeto foi a preparação de um Maseratti 450 S e um Jaguar Type D para as 24h Le Mans Classic.

Mais tarde, foi também através do grupo D’Ieteren que tomei conhecimento da empresa/equipa SpeedWorld (ex Dubois Racing) que fabrica todos os carros para a FunCup Trophy a nível mundial. Foi então que deixei de trabalhar na coleção privada da família D’Ieteren e comecei a colaborar com esta empresa/equipa como Race Engineer no desenvolvimento de um novo carro de corridas. Era minha função ir a todas as corridas com um protótipo, que embora alinhando na grelha de partida não interferia na classificação dos cronometrados e corridas. Era uma exceção à regra, acordada entre o promotor e as organizações, o que nos permitia, para além dos testes privados, desenvolver o carro e adquirir informação sobre o mesmo em condições reais de corrida. A mecânica e a tecnologia era propositadamente simples a fim de controlar custos, mas foi uma ótima “escola” para me iniciar nas corridas de endurance e onde se podia dar largas à criatividade como engenheiro para desenvolver o carro.

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Nuno Sousa na sua passagem pela Aurora Racing Team

  • Já em Portugal, tiveste também outra experiência profissional com uma equipa de GT’s, à época a Aurora Racing Team. Pensas que foi uma experiência enriquecedora para ti? Sentiste que estavas à altura do desafio? 

Foi uma experiência fantástica onde aprendi bastante e fiz grandes amigos. O ambiente no paddock nos GT’s é completamente diferente de tudo o resto, e apesar de toda a grande competitividade existente, toda gente se conhece e relaciona. Foi fantástico poder trabalhar com um Ferrari F430 GT2 e com uma equipa técnica ao nível da Aurora Racing Team, atualmente designada como “Expirit Racing Team by Ray Just Energy”. Com um staff que conta com tantos anos de experiência, aliado à estreita relação que mantém com a Michelloto (Ferrari Itália), a minha curva de aprendizagem foi exponencial. Também o facto de o Ferrari pertencer à classe GT2 foi muito enriquecedor, pois em termos regulamentares, é permitida a esta classe a alteração de muito mais componentes no carro o que representa um desafio acrescido ao engenheiro de pista aquando da decisão dos setups.

  • Qual a tua opinião sobre o curso de Engenharia Automóvel?

Considero o curso de Engenharia Automóvel da ESTG muitíssimo bom. Todos os que frequentam ou frequentaram o curso, ao longo da “curta viagem” letiva de 3 anos pelo menos, conseguem identificar aspetos mais positivos ou negativos, mas frequentemente critica-se só “porque sim”, muitas vezes por ser a via mais fácil, e porque não se conhecendo outras universidades, formamos opinião ouvindo os argumentos de alunos de outras instituições, que nem sempre correspondem à pura das verdades. Mas para ser muitíssimo franco, após ter estudado em outras universidades/institutos politécnicos fora do país para além da ESTG-IPL, afirmo com toda a certeza que nos podemos considerar privilegiados com todas as condições que o nosso curso de EAU nos oferece, pois realmente são excelentes. Seja a nível de equipamento laboratorial, como ao nível do corpo docente. Cabe apenas a cada aluno explorar ao máximo toda essa oferta disponível, e aprender com ela.

  • Quais foram as dificuldades que encontraste quando ingressaste no curso de Engenharia Automóvel?

Para ser sincero não senti grandes dificuldades… Sendo de Leiria, conhecia bem a faculdade e toda a cidade. Acho que rápida e facilmente me integrei com o resto dos alunos que entraram no meu ano, assim como com todo o corpo docente. Em termos letivos não senti uma diferença muito grande entre o ensino secundário e o ensino superior, pois já era um aluno com hábitos e metodologias de estudo bem enraizados.

  • O curso é bem dimensionado para o mercado português? Ou pensas que está sobre-dimensionado?

Na minha opinião penso que está dimensionado à medida. Como todos sabemos, Portugal não é um país onde a indústria “pesada” tenha forte implementação. Este setor de atividade suporta-se num mercado à base da prestação de serviços. Desta forma penso que o curso está maioritariamente focado aos serviços técnicos na área do sector automóvel, especialmente no sector após-venda. E penso que só assim faz sentido, pois é desta forma que é possível dar resposta às necessidades da indústria e do mercado local e nacional, assegurando assim a taxa de empregabilidade deste curso como uma das mais elevadas a nível nacional. No entanto toda a vertente industrial de desenvolvimento tecnológico não é descurada, preparando os alunos com bastantes conhecimentos e ferramentas standard que poderão mais tarde vir a ser desenvolvidos numa carreia na área da conceção e desenvolvimento automóvel.

  • Depois de terminares a tua licenciatura em Engenharia Automóvel, foste para Inglaterra tirar o mestrado em Motorsport Engineering (Oxford Brookes University). Achaste que estavas melhor ou pior preparado com os restantes colegas que vêm de todo o mundo?

Na minha opinião senti-me bastante à-vontade em todos os temas abordados ao longo de mestrado. Especialmente nas áreas onde a física, matemática e álgebra eram bases essenciais, senti que estava muitíssimo bem preparado com todo o conhecimento adquirido no curso em Leiria. No que se refere aos diversos sistemas automóveis em particular, reparei que a minha cultura e conhecimento sobre os mesmos eram bastante fortes, essencialmente resultado do que aprendi em Eng. Automóvel na ESTG. Por exemplo, havia alunos de diversas universidades do mundo, que até ao momento de o terem que fazer no mestrado, nunca tinham visto “ao vivo e a cores” como é uma caixa de velocidades por dentro ou nunca tinham desmontado por completo uma suspensão. Por outro lado havia alunos com conhecimentos mais fortes direcionados para o desenvolvimento e design mecânico, mas como referi anteriormente, isto deve-se essencialmente ao facto de o nosso curso estar dimensionado para o mercado Português. Mas em termos gerais, senti-me muitíssimo bem preparado e à-vontade com a maioria das temáticas exploradas ao longo do mestrado.

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Nuno Sousa e o Formula Student da equipa Oxford Brookes Racing

  • Fizeste a tua tese de mestrado em conjunto com a Lotus F1. Podes falar-nos um pouco do trabalho que desenvolveste em colaboração com esta equipa?

Este projeto com a Lotus F1 Team surgiu da necessidade, por parte da equipa, de estudar a introdução de uma nova tecnologia no desenvolvimento das suas monocoques. No ano transacto, o Lotus E20 foi fortemente desenvolvido ao longo de toda a época, deixando pouca disponibilidade por parte da equipa para desenvolver projectos deste tipo. Neste sentido, devido à estreita relação entre a Oxford Brookes University e a Lotus F1 Team, foi acordado realizar-se o projeto em parceria onde um aluno de mestrado estaria no comando. Essencialmente este projeto desenvolveu-se no campo da reprodução computacional do comportamento dinâmico de materiais compósitos, usando o método de elementos finitos dinâmico explicito. Fui aceite pela equipa após uma entrevista minuciosa, pois possuía alguma experiência com este método devido a trabalhos desenvolvidos no curso em Leiria. Este estudo do comportamento dos compósitos é uma área da engenharia em crescimento exponencial, onde ainda só é usada em larga escala pela indústria aeronáutica e espacial. Isto deve-se essencialmente à enorme complexidade dos materiais compósitos, nomeadamente a fibra de carbono.

  • Onde estás atualmente, na Progressive Motorsport, que conhecimentos aprendidos aqui em Leiria te estão a ser relevantes? Que tipo de atividade/projetos desenvolves?

A Progressive Motorsport é uma “R&D Motorsport Company”, onde a nossa atividade é fundamentalmente no sector de Research & Development. Temos duas grandes áreas de atividade. A principal é a prestação de serviços de Race Engineering, onde temos já à muitos anos um contracto de exclusividade com a Audi Sport GmbH. Nós é que temos os engenheiros de pista e fazemos toda a Race Engineering para a Audi nas 24h de LeMans e FIA World Endurance Championship (Campeonato do Mundo de Endurance – WEC). Todo o desenvolvimento em pista dos carros é feito por nós. Paralelamente temos projetos privados com outras equipas, nomeadamente de Fórmula 1, e grandes construtores automóveis; essencialmente na área R&D onde desenvolvemos projetos diversos consoante a necessidade dos nossos clientes. Basicamente o cliente tem um problema, e nós temos que desenvolver uma solução. Sinto-me um afortunado porque nesta empresa os projetos são imensos e de temáticas variadíssimas, onde é empírico ter um vasto conhecimento sobre as mais diversas áreas da engenharia e onde a monotonia é mantida a milhas de distância. Tanto posso estar a analisar telemetria dos carros como momentos a seguir já estou a desenvolver um componente mecânico de raiz para estes. Desta forma, sinto que em Leiria fui bastante bem preparado com um espirito crítico e de autonomia muito forte, onde aprendi métodos e adquiri ferramentas de auto-aprendizagem essenciais num sector de atividade como o de Research & Development.

  • Que conselho darias a quem pensa enveredar por uma carreira nos automóveis, em particular na tua área (competição)?

Na minha opinião é essencial que cada um saiba desde cedo o que realmente quer fazer a longo prazo, e que saiba definir as suas próprias prioridades. Desta forma é empírico fazermos as nossas opções académicas e profissionais sempre com mira no nosso grande objetivo a longo prazo.

Desde cedo na universidade, se querem a área das eletrónicas por exemplo, sempre que possível desenvolvam os vossos trabalhos nessa temática. Se querem o desporto automóvel, tentem sempre que possível desenvolver os vossos trabalhos relacionados com essa área. Só assim é possível ir adquirindo desde cedo uma cultura e conhecimento, vulgo “bagagem”, que nos vai ser bastante útil no futuro.

Recomendo a quem tem oportunidade, sempre que possível, comece a trabalhar e a “sujar as mãos” na área que pretende seguir um dia. Os empregadores dão muito valor às experiências práticas, e se ao analisarem um CV virem que determinada pessoa teve a fazer um estágio numa empresa do mesmo sector durante as férias de verão, isso só demonstra um grande interesse e proactivismo. Muitas vezes a experiência prática é eleita em detrimento da experiência académica.

Basicamente pensem sempre para vós próprios: “ao tomar esta decisão, o “outcome” ser-me-á útil para alcançar o meu grande objetivo a longo prazo? Vai-me ajudar a ser realmente aquilo que quero ser no futuro?” As sucessivas respostas a estas perguntas são a bússola na nossa carreira profissional. São elas que nãos vão dizer que caminho temos que tomar.

É preciso também ter um grande espírito de sacrifício, luta e paixão pelo que fazemos. Eu costumo dar como exemplo que quando comecei a trabalhar para a SpeedWorld, não era remunerado e nem sequer me instalavam nos hotéis como a restante equipa. Nos primeiros tempos, quando íamos para longe com corridas, eu trabalhava de borla e dormia com um saco-de-cama no camião das peças suplentes. Mas se essa era a única maneira de poder estar envolvido com a equipa numa fase inicial e mostrar o meu valor, foi um sacrifício que então achei que devia fazer. Mas foi graças a esse sacrifício inicial que mais tarde fui promovido, e por isso pude preencher o meu CV com aquele trabalho. E possivelmente foi por ter aquela experiencia profissional no meu CV que se abriram outras portas no futuro.

Portanto, se têm realmente um sonho, lutem e deem tudo por ele! E não tenham vergonha de chegar a uma empresa e dizer “posso colaborar com vocês? Não precisam de me pagar. Pelo menos por agora..” Dificilmente alguém vos recusará, e aí já só depende de cada um mostrar o que vale e dar o tudo por tudo para inverter a situação.

  • Para finalizar: Não sentes saudades/vontade de voltar às pistas e competir?

Sinto bastantes saudades. Desde que vim para Inglaterra fui obrigado a afastar-me mais das pistas. E na verdade, é onde me sinto bem com toda a pressão e adrenalina, os sons dos motores e os cheiros dos carros. No entanto, fui contractado pela Progressive Motorsport também com a intenção de a médio prazo integrar a tempo inteiro a equipa de engenheiros de pista que trabalha em exclusividade com a Audi. E é nesse sentido que já andamos a trabalhar. No entanto até estar totalmente pronto para voltar as pistas, o processo é algo moroso devido a complexidade da estrutura da equipa e como esta trabalha, assim como a complexidade tecnológica dos carros. Neste momento ainda estou em fase de “formação”, onde gradualmente vou conhecendo a cultura da equipa, isto é “como nós trabalhamos aqui”, e todo o carro em detalhe.

Mário Rodrigues | NEAU

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