Joana Freitas

Entrevista a Joana Freitas, ex-aluna da licenciatura em Engenharia Automóvel da Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de Leiria.

  • Como foi o teu percurso até chegares à ESTG-Leiria?

Acho que só comecei a pensar a sério em seguir engenharia no 11º ano. Toda a gente achou que fosse seguir letras ou algo ligado à saúde, mas comecei a ganhar o gosto aos automóveis, gostava de Física e achei que a melhor forma de aprender algo sobre isso seria seguindo Engenharia Automóvel. Quando me candidatei à ESTG era o único sítio com o curso, mas mesmo assim tive ótimas referências relativas à qualidade do ensino e dos professores.

  • Em que ano ingressaste e que opções ponderaste quando te candidataste ao ensino superior?

Entrei em 2007 e foi a minha primeira opção. Todas as outras opções foram relacionadas com Engenharia Mecânica ou Física.

  • Como foi então o teu percurso em Leiria?

Penso que fui uma aluna certinha. Obviamente havia algumas cadeiras que me deram dores de cabeça, mas por outro lado outras foram feitas com muito gosto. As cadeiras de eletrónica atrapalharam-me um bocado a vida, mas verdade seja dita saímos com conhecimentos de eletrónica superiores a muitos outros cursos. Acho que tudo faz parte do percurso académico. Superar estas dificuldades com os amigos, fazer noitadas a estudar…

  • Qual a tua opinião sobre o curso de Engenharia Automóvel?

Nunca me arrependi de ter escolhido Engenharia Automóvel. O curso está adaptado à realidade portuguesa mas adquirimos conhecimentos que são valorizados em qualquer parte do mundo. Contactei com alunos de engenharia de outros países e acho que saímos muito bem preparados em comparação com eles, sabemos um pouco de tudo e acho que isso é muito importante.

  • Quais foram as dificuldades que encontraste quando ingressaste no curso de Engenharia Automóvel?

Acho que as dificuldades que encontrei são as normais de qualquer curso de Engenharia. Era tudo muito novo para mim. Enquanto muitos alunos já traziam alguma bagagem de conhecimento a nível automóvel, eu vinha praticamente a zero. A verdade é que estamos ali todos para aprender e eu estava a fazer o que gostava, era a minha motivação.

  • Como sabes, há poucas pessoas do sexo feminino a escolher este curso. Alguma vez te sentiste “especial” ou diferente? É um ambiente recomendável para uma jovem vinda do ensino secundário?

Eu sempre tive um grupo de amigos com bastantes rapazes pois andava muito de mota, por isso de alguma forma já vinha um pouco preparada. Claro que não vai ser sempre perfeito e às vezes há uma situação ou outra em que te sentes um pouco diferente, mas acho que até num meio com muitas pessoas do sexo feminino isso pode acontecer. No final o balanço é bastante positivo, fiz amizades para a vida.

  • O sector automóvel é ainda maioritariamente constituído por homens, tal como no curso. Como é ser uma mulher num “mundo” de homens?

Vai haver sempre alguém a achar que és menos capaz por ser mulher, isso é verdade, qualquer profissão de engenharia é conotada como “masculina”. No entanto, acho que sendo mulher consigo trazer uma visão diferente de alguns problemas, uma abordagem diferente. No meu percurso profissional já estive numa equipa liderada por uma mulher e as coisas funcionavam a 1000%. Acho que independentemente de se ser homem ou mulher temos que nos preocupar em mostrar o nosso valor por competência e profissionalismo, isso sim, faz a diferença.

  • O curso é bem dimensionado para o mercado português? Ou está sobre-dimensionado? 

Eu acho que o curso está adequado ao mercado português. Infelizmente nesta altura há uma maior dificuldade em entrar em qualquer mercado devido à atual situação económica, daí a necessidade de por vezes arriscar ir para fora.

  • Quando terminaste o curso já tinhas planos sobre o que fazer a seguir?

Quando terminei o curso sabia que queria tirar mestrado e que queria ter uma experiência fora de Portugal, pois nunca tinha feito Erasmus.

  • Após terminares a licenciatura tiveste uma experiência na fábrica do grupo PSA em Mangualde. Como correu? Quais eram as funções que desempenhavas? Foi uma experiência enriquecedora?

Foi uma experiência incrível, ainda hoje acho que vai ser difícil superar a equipa com que trabalhei. Toda a equipa era jovem e dinâmica e aprendi imenso com todos eles. Comecei como Técnica Kaizen e fazia otimização de postos e acabei por trabalhar também na Qualidade para a secção da Mecânica. Acabei por dar muito valor à cadeira de Qualidade e Gestão de Recursos, pois honestamente subestimei-a durante o curso e é importantíssima em qualquer área da indústria. Foi sem dúvida uma experiência enriquecedora e acabou por me abrir portas no futuro. Muitas vezes caímos no erro de achar que somos pequeninos em Portugal, mas a verdade é que fiz coisas na fábrica de Mangualde que só agora estão a ser implementadas em grandes fábricas lá fora. Sem dúvida uma grande casa, foi um grande orgulho trabalhar com cada uma das pessoas com que trabalhei.

  • Depois foste para Inglaterra tirar o mestrado em Motorsport Engineering (Oxford Brookes University). Achaste que estavas melhor ou pior preparada em comparação com os restantes colegas que vêm de todo o mundo?

Acho que íamos bem preparados. Algo que reparei foi que os restantes colegas de outras partes do mundo por vezes tinham conhecimentos superiores mas era em áreas específicas, pois ficavam atrás no resto. Eles apostam numa grande especialização desde o início do percurso universitário, nós temos mais opções. Ambas têm vantagens e desvantagens, mas honestamente acho que a nossa preparação é muito boa e alguns dos professores de lá tinham uma excelente opinião de alguns dos nossos professores.

  • Durante o teu mestrado em Oxford que conhecimentos aprendidos em Leiria, pensas que te foram mais relevantes ou importantes?

A ideia do mestrado foi aprender coisas novas, nomeadamente a nível da Dinâmica de Veículos pois eles lá são excelentes nisso, mas houve conhecimentos que obviamente foram úteis em certas cadeiras. A nível da minha tese em particular tive que recorrer aos conhecimentos de máquinas térmicas e sistemas de propulsão, mas também usámos alguns dos conhecimentos prévios de Matlab que acabaram por ser aprofundados. É difícil dizer que A, B ou C foi mais importante, pois na engenharia tudo está ligado e acabamos por usar um pouco de tudo o que aprendemos, do desenho técnico à aerodinâmica, passando pela resistência de materiais e pelos básicos da física. Penso que tudo é importante dentro do seu contexto.

  • Em conjunto com os restantes colegas de Leiria que foram contigo para Oxford fizeste parte da equipa de Formula Student, a Oxford Brookes Racing. Como foi essa experiência? Quais as funções que desempenhaste?

Foi uma experiência diferente sem dúvida. No Reino Unido a Formula Student é levada muito a sério, há pessoas que participam durante anos e anos. Foi difícil pois por vezes há que conjugar noites sem dormir a trabalhar no carro com os imensos trabalhos e os exames, não é fácil a nível físico e mental. Contudo o balanço final é positivo: saber que construímos um carro do zero, tudo feito por estudantes e que o nosso contributo foi importante é sem dúvida algo que nos deixa a sentir bem. Além do mais os resultados foram excelentes, pois acabámos classificados como a melhor equipa do UK e 7º a nível geral. Eu comecei com outro colega de Leiria na parte de design da anti-roll bar dianteira, depois passei para a parte de construção de chassis e acabei a trabalhar com compósitos. Só o facto de passar por áreas em que nunca tinha trabalhado e aprender com alunos que já têm experiência de FS e paciência para ensinar é muito enriquecedor.

  • Consideras importante para uma universidade/politécnico ter um projecto a este nível?

Acho que é importante. Até pode nem ser FS, pois lá fora há maior facilidade de entrar em competições e arranjar patrocinadores, mas sem dúvida que é importante haver um projeto inteiramente da responsabilidade dos alunos em que eles possam trabalhar. Não só pela experiência técnica do design e da construção, mas pela experiência de trabalhar em equipa. É importante ter algo desse tipo no currículo numa altura em que todos os empregadores pedem experiência prévia.

  • Soubemos que estás perto de entrar, a nível profissional, num grande construtor europeu. Queres falar sobre isso?

Depois de passar pela PSA fiquei com o bichinho da indústria e quis procurar algo nessa área. No entanto sempre estive longe de pensar que iria acabar por trabalhar para uma marca como a MINI BMW com que sempre me identifiquei bastante. Concorri a um graduate scheme que é um programa de quase 2 anos em que passas por vários departamentos por todo o mundo para te especializares numa determinada função e fui aceite. Este tipo de programas é muito comum em grandes marcas e eu nem fazia ideia, mas estou bastante entusiasmada com esta oportunidade. Penso que todo o meu currículo académico e profissional foi importante na altura de ser escolhida, mas uma pessoa tem que mostrar que o quer muito, tem que haver algo que faça a diferença, sendo um emprego de sonho para mim não foi difícil mostrar que estava motivada.

  • Para finalizar: que conselho darias a uma rapariga que goste de automóveis e pense ingressar neste curso?

Diria para não pensar duas vezes. Não vou dizer que vai ser tudo fácil ou que vai ser sempre tudo bom, mas quando uma pessoa faz algo porque está a lutar pelo que quer tudo vai valer a pena mais cedo ou mais tarde. Eu não me arrependo.

joana_freitas